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Rafaela Paes
Todos os círculos da vida humana onde se convive com pessoas sofrem com peculiaridades que nascem do orgulho e do egoísmo de seus participantes. Não seria diferente na Casa Espírita nossa de cada dia.
Os dicionários trazem a definição de melindre como sendo a delicadeza no trato, cuidado para não magoar ou ofender por meio de palavras ou obras. Entretanto, no dia-a-dia, esse significado varia em decorrência de quem o visualiza. Se quem o olha é aquele que provocou o melindre, conceitua-o como uma suscetibilidade exagerada; já se for aquele que se melindrou, a definição incorre no sentimento de uma justa indignação, de uma injustiça e de autopiedade.
Não, o presente artigo não é um meio para tecer críticas às Casas Espíritas nem aos seus trabalhadores, mas apenas um alerta: Abel Glaser, pelo Espírito Cairbar Schutel, no livro “Fundamentos da Reforma Íntima”, demonstram que o egoísmo e o orgulho são as bases de todas as imperfeições do ser humano. Representam o princípio elementar de toda doença sentimental, emocional e psicológica. São fontes dos males que abraçam a humanidade.
E como o melindre se faz presente na Casa Espírita? Exemplifica Francisco Aranda Gabilan, no artigo “Melindre: A Síndrome do Orgulho Ferido que: É o médium que não se conforma com a análise direta feita por companheiros estudiosos, quando ele, ao receber os Espíritos, bate os pés, as mãos, fala alto demais, repetitivamente, com linguagem às vezes inadequada, etc. Melindra-se e não aceita as observações e conselhos, retirando-se do trabalho ou isolando-se na crítica à Casa e seus dirigentes. É o expositor que não cumpre os horários, nem o programa, que desvia sempre do assunto da palestra ou da aula, descambando para análises outras, não raro pessoais ou sem importância doutrinária, e que não aceita as recomendações da direção de manter-se fiel ao programa ou à conduta em classe ou na tribuna, melindrando-se com facilidade, afirmando que “nessa etapa da vida” não está mais para ouvir críticas “especialmente de quem sabe menor e é muito mais moço”... É o dirigente de área da Casa que se julga autossuficiente em tudo e não aceita conselhos e recomendações para melhoria do setor, ameaçando retirar-se, entregar o cargo, exigindo se promova reunião de Diretoria para ouvir suas reclamações. É o diretor que tem sua proposição refugada e se sente desprestigiado, desaparecendo das reuniões e das assembleias. E até mesmo o doador de donativos, cujo nome foi omitido nos agradecimentos, magoando-se e fugindo a novas colaborações”.
São muitas as situações dentro da Casa Espírita que podem suscitar o melindre. Na maior parte das vezes, ela nasce da divergência de opiniões, dos nãos que se recebe ou se dá... É orgulho... É egoísmo. Mais uma vez Cairbar Schutel, no livro citado anteriormente, demonstra que:
“Outro ponto fundamental para a renovação do âmago é cada um controlar com isenção de ânimo o natural desequilíbrio que rege as relações humanas. O homem é um ser que tende ao protecionismo e, consequentemente, à injustiça [...]. O mesmo critério que utiliza para avaliar a ação do seu semelhante deve o encarnado usar para consigo [...]. Quanto à reforma íntima, precisa a pessoa exercitar o equilíbrio dos seus julgamentos. O indivíduo deve saber avaliar: se o critério – e o rigor – utilizado, ainda que exagerado ou não ideal, for equânime (para si e para o outro), já é um bom começo [...]. Não se nega a ninguém o valor de um conselho bem dado nem de uma observação bem feita, na hora certa, com a devida pertinência e de forma fraterna. Quer-se, no entanto, que essa mesma sugestão ou crítica – quando lhe é dirigida – seja bem recebida e criteriosamente analisada”.
Sendo assim, entende-se, de forma resumida, que da mesma forma que se emite opiniões e sente-se propenso a tecer críticas e comentários, deve-se estar abertos para receber opiniões, críticas e comentários. Se quem recebe, ou se nós mesmos, ao recebermos, reagirmos de forma negativa, aí se verifica o melindre. Saber conviver com as diferenças em todas as suas nuances é exercitar a reforma íntima, é evoluir, é se amar e amar ao próximo.
Por fim, para concluir de forma esclarecedora e rica, aduz O Livro dos Espíritos:
Questão 917 – Qual o meio de se destruir o egoísmo?
Resposta – De todas as imperfeições humanas, a mais difícil de desenraizar-se é o egoísmo, porque ele se prende à influência da matéria, da qual o homem, ainda muito próximo da sua origem, não pode se libertar, e essa influência concorre para o sustentar: suas leis, sua organização social, sua educação. O egoísmo se enfraquecerá com a predominância da vida moral sobre a vida material e, sobretudo, com a inteligência que o Espiritismo vos dá de vosso estado futuro real e não desnaturado pelas ficções alegóricas. O Espiritismo bem compreendido, quando estiver identificado com os costumes e as crenças, transformará os hábitos, os usos e as relações sociais. O egoísmo se funda sobre a importância da personalidade; ora, o Espiritismo bem compreendido, eu o repito, faz ver as coisas de tão alto, que o sentimento da personalidade desaparece, de alguma forma, diante da imensidade. Destruindo essa importância, ou tudo ou pelo menos fazendo vê-la como ela é, combate necessariamente o egoísmo. É o choque que o homem experimenta do egoísmo dos outros que o torna, frequentemente, egoísta, porque sente a necessidade de se colocar na defensiva. Vendo que os outros pensam em si mesmos e não nele, é conduzido a se ocupar de si mais do que dos outros. Que o princípio da caridade e da fraternidade seja a base das instituições sociais, das relações legais de povo a povo, e de homem a homem, e o homem pensará menos em sua pessoa quando verificar que os outros nele pensam. Ele sofrerá a influência moralizadora do exemplo e do contato. Em presença desse transbordamento do egoísmo, é preciso uma verdadeira virtude para esquecer-se em benefício dos outros que, frequentemente, não são agradecidos. É, sobretudo, àqueles que possuem esta virtude que o reino dos céus está aberto; àqueles, sobretudo, está reservada a felicidade dos eleitos, porque eu vos digo em verdade, que no dia da justiça, quem não pensou senão em si mesmo, será colocado e lado e sofrerá no abandono (FÉNELON).
Comentários de Kardec:
Empregam-se, sem dúvida, louváveis esforços para fazer avançar a Humanidade; encorajam-se, estimulam-se; honram-se os bons sentimentos mais do que em nenhuma outra época e, todavia, o verme roedor do egoísmo é sempre a chaga social. É um mal que recai sobre todo o mundo e do qual cada um é, mais ou menos, vítima. Para isso, é preciso, pois, combate-lo como se combate uma doença epidêmica. Para isso, é preciso proceder à maneira dos médicos: ir à fonte. Que se procure, pois, em todas as partes do organismo social, desde a família até os povos, desde a cabana até o palácio, todas as causas, todas as influências patentes ou ocultas, que excitam, entretêm e desenvolvem o sentimento do egoísmo. Uma vez conhecidas as causas, o remédio se mostrará por si mesmo. Não se tratará senão de as combater, senão, todos de uma vez, pelo menos parcialmente e, pouco a pouco, o veneno será extirpado. A cura poderá ser demorada, porque as causas são numerosas, mas não é impossível. A isso não se chegará, de resto, senão tomando o mal em sua raiz, quer dizer, pela educação; não essa educação que tende a fazer homens instruídos, mas a que tende a fazer homens de bem. A educação, se bem entendida, é a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres como se conhece a de manejar as inteligências, poder-se-á endireita-los, como se endireitam as plantas jovens. Todavia, essa arte exige muito tato, muita experiência e uma profunda observação. É um grave erro crer que basta ter a ciência para exercê-la com proveito. Todo aquele que segue o filho do rico, assim como o do pobre, desde o instante do seu nascimento e observa todas as influências perniciosas que reagem sobre ele em consequência da fraqueza, da incúria e da ignorância daqueles que o dirigem, quando frequentemente, os meios que se empregam para moralizá-los falham, não pode se espantar de encontrar no mundo tantos defeitos. Que se faça pelo moral quanto se faz pela inteligência e se verá que, se há naturezas refratárias, há, mais do que se crê, as que pedem apenas uma boa cultura para produzir bons frutos. O homem quer ser feliz e esse sentimento está na Natureza. Por isso, ele trabalha sem cessar para melhorar sua posição sobre a Terra, e procura a causas dos seus males, a fim de os remediar. Quando compreender bem que o egoísmo é uma dessas causas, a que engendra o orgulho, a ambição, a cupidez, a inveja, o ódio, o ciúme, que o magoam a cada instante, que leva a perturbação em todas as relações sociais, provoca as dissenções, destrói a confiança, obriga a se colocar constantemente na defensiva contra seu vizinho, a que, enfim, do amigo faz um inimigo, então ele compreenderá também que esse vício é incompatível com a sua própria felicidade e mesmo com a sua própria segurança. Quando mais ele o tenha sofrido, mais sentirá necessidade de combatê-lo, como combate a peste, os animais nocivos e todos os outros flagelos. Ele o será solicitado pelo seu próprio interesse. O egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade é a fonte de todas as virtudes. Destruir um e desenvolver o outro, tal deve ser o objetivo de todos os esforços do homem, se quer assegurar sua felicidade neste mundo, tanto quanto no futuro.
Irmãos, que tenhamos sempre a consciência de que conviver com o diferente é a chave do sucesso dessa missão terrena. Que entendamos que somos diferentes uns dos outros, e que cada um só faz conosco aquilo que permitimos que façam. Sendo assim, melindrar-se é deixar que o outro nos incomode, é permitir que as críticas (muitas vezes bem intencionadas) nos firam e nos afastem daqueles que nos querem bem. A Casa Espírita é lugar de reflexão, estudo, aprendizado e irmandade. Que adentremos sempre às suas portas com o coração aberto, sem deixar que os olhos do orgulho e do egoísmo ceguem a visão dos nossos corações.
Paz a todos.
*Rafaela Paes é colunista voluntária do Blog Letra Espírita. Leia outros artigos de sua autoria clicando aqui.
Tags: Joana de Ângelis
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