terça-feira, 5 de julho de 2011
O sono e os sonhos
Durante o sono, a alma repousa como o corpo?
– Não, o Espírito nunca fica inativo. Durante o sono, os laços que o prendem ao corpo se relaxam e, como o corpo não precisa do Espírito, ele percorre o espaço e entra em relação mais direta com outros Espíritos.
Como avaliar a liberdade do Espírito durante o sono?
– Pelos sonhos. Quando o corpo repousa, o Espírito tem mais condições de exercer seus dons, faculdades do que em vigília; tem a lembrança do passado e algumas vezes a previsão do futuro; adquire mais poder e pode entrar em comunicação com outros Espíritos, neste mundo ou em outro. Quando dizeis: tive um sonho esquisito, horrível, mas que não tem nada de real, enganais-vos; é, muitas vezes, a lembrança dos lugares e das coisas que vistes ou que vereis numa outra existência, ou num outro momento. O corpo, estando entorpecido, faz com que o Espírito se empenhe em superar suas amarras e investigar o passado ou o futuro.
Pobres homens, que pouco conheceis dos mais simples fenômenos da vida! Julgai-vos sábios e, entretanto, vos embaraçais com as coisas mais simples; ficais perturbados com a pergunta de todas as crianças: o que fazemos quando dormimos? Que são os sonhos?
O sono liberta, em parte, a alma do corpo. Quando dormimos, estamos momentaneamente no estado em que o homem se encontra após a morte. Os Espíritos que logo se desligam da matéria, quando desencarnam, têm um sono consciente. Durante o sono, reúnem-se à sociedade de outros seres superiores e com eles viajam, conversam e se instruem; trabalham até mesmo em obras que depois encontram prontas, quando, pelo desencarne, retornam ao mundo espiritual. Isso deve vos ensinar uma vez mais a não temer a morte, uma vez que morreis todos os dias, segundo a palavra de um santo. Isso para os Espíritos elevados; mas para o grande número de homens que, ao desencarnar, devem permanecer longas horas nessa perturbação, nessa incerteza da qual já vos falaram, esses vão, enquanto dormem, a mundos inferiores à Terra, onde antigas afeições os evocam, ou vão procurar prazeres talvez ainda mais baixos que os que têm aí; vão se envolver com doutrinas ainda mais desprezíveis, ordinárias e nocivas que as que professam em vosso meio. O que gera a simpatia na Terra não é outra coisa senão o fato de os homens, ao despertar, se sentirem ligados pelo coração àqueles com quem acabaram de passar de oito a nove horas de prazer. Isso também explica as antipatias invencíveis que sentimos intimamente, porque sabemos que essas pessoas com quem antipatizamos têm uma consciência diferente da nossa e as conhecemos sem nunca tê-las visto com os olhos. Explica ainda a nossa indiferença, pois não desejamos fazer novos amigos quando sabemos que há outras pessoas que nos amam e nos querem bem.
Em uma palavra, o sono influi mais na vossa vida do que pensais. Durante o sono, os Espíritos encarnados estão sempre se relacionando com o mundo dos Espíritos e é isso que faz com os Espíritos Superiores consintam, sem muita repulsa, em encarnar entre vós. Deus quis que em contato com o vício eles pudessem se renovar na fonte do bem, para não mais falharem, eles, que vêm instruir os outros. O sono é a porta que Deus lhes abriu para entrarem em contato com seus amigos do céu; é o recreio após o trabalho, enquanto esperam a grande libertação, a libertação final que deve devolvê-los a seu verdadeiro meio.
O sonho é a lembrança do que o Espírito viu durante o sono; mas notai que nem sempre sonhais, porque nem sempre vos lembrais do que vistes, ou de tudo o que vistes. É que vossa alma não está em pleno desdobramento. Muitas vezes, apenas fica a lembrança da perturbação que acompanha vossa partida ou vossa volta, à qual se acrescenta a do que fizestes ou do que vos preocupa no estado de vigília; sem isso, como explicaríeis esses sonhos absurdos que têm tanto os mais sábios quanto os mais simples? Os maus Espíritos se servem também dos sonhos para atormentar as almas fracas e medrosas.
Além disso, vereis dentro em pouco se desenvolver uma outra espécie de sonhos1; ela é tão antiga quanto a que já conheceis, mas a ignorais. O sonho de Joana D'arc2, o sonho de Jacó3, o sonho dos profetas judeus e de alguns adivinhos indianos; esse sonho é a lembrança da alma quase inteiramente desligada do corpo, a lembrança dessa segunda vida de que falamos.
Procurai distinguir bem essas duas espécies de sonho dentre os que vos lembrais; sem isso, caireis em contradições e erros que serão funestos à vossa fé.
☼ Os sonhos são o produto da emancipação da alma, que se torna mais independente pela suspensão da vida ativa e de convivência. Daí uma espécie de clarividência indefinida, que se estende aos lugares mais afastados ou jamais vistos e algumas vezes até a outros mundos; daí ainda a lembrança que traz à memória acontecimentos realizados na existência atual ou em existências anteriores; a estranheza das imagens do que se passa ou do que se passou em mundos desconhecidos, misturadas com coisas do mundo atual, formam esses conjuntos estranhos e confusos que parecem não ter sentido nem ligação entre si.
A incoerência dos sonhos se explica ainda por lacunas que a lembrança incompleta do que nos apareceu em sonho produz. Isso seria como numa narração a qual se tenham truncado frases ao acaso, ou parte de frases; os fragmentos restantes reunidos perderiam toda a significação.
Por que nem sempre nos lembramos dos sonhos?
– O que chamais de sono é apenas o repouso do corpo, mas o Espírito está sempre ativo e durante o sono recobra um pouco de sua liberdade e se corresponde com os que lhe são caros, neste mundo ou em outros. Sendo o corpo uma matéria pesada e grosseira, dificilmente conserva as impressões que o Espírito recebeu, visto que o Espírito não as percebeu pelos órgãos do corpo.
O que pensar da significação atribuída aos sonhos?
– Os sonhos não têm o significado que certos adivinhos lhes atribuem. É um absurdo acreditar que sonhar com isso significa aquilo. São verdadeiros no sentido de que apresentam imagens reais ao Espírito, mas muitas vezes não têm relação com o que se passa na vida corporal; são também, como dissemos, uma lembrança. Algumas vezes, podem ser um pressentimento do futuro, se Deus o permite, ou a visão do que se passa nesse momento em um outro lugar para onde a alma se transporta. Não tendes numerosos exemplos de pessoas que aparecem em sonho e vêm advertir seus parentes ou amigos do que lhes está acontecendo? O que são essas aparições, senão a alma ou o Espírito dessas pessoas que vêm se comunicar com o vosso? Quando estais certos de que o que vistes realmente aconteceu, não é uma prova de que a imaginação não tomou parte em nada, principalmente se as ocorrências do sonho não estavam de modo algum em vosso pensamento enquanto acordados?
Vêem-se freqüentemente em sonho coisas que parecem pressentimentos e que não se realizam; de onde vem isso?
– Elas podem se realizar apenas para o Espírito, ou seja, o Espírito vê a coisa que deseja porque vai procurá-la. Não deveis esquecer que, durante o sono, a alma está constantemente sob influência da matéria, às vezes mais, às vezes menos, e, conseqüentemente, nunca se liberta completamente das idéias terrenas. Disso resulta que as preocupações enquanto acordados podem dar àquilo que se vê a aparência do que se deseja ou do que se teme. A isso verdadeiramente é o que se pode chamar de efeito da imaginação. Quando se está fortemente preocupado com uma idéia, liga-se a essa idéia tudo o que se vê.
Quando vemos em sonho pessoas vivas, que conhecemos perfeitamente, praticarem atos de que absolutamente não cogitam, não é efeito de pura imaginação?
– Em relação a praticar atos de que não cogitam, como dizeis, o que sabeis disso? O Espírito dessa pessoa pode visitar o vosso, como o vosso pode visitar o dela e nem sempre sabeis no que ele pensa. E então, freqüentemente, atribuís às pessoas que conheceis, e de acordo com vossos desejos, o que se passou ou se passa em outras existências.
O sono completo é necessário para a emancipação do Espírito?
– Não; o Espírito recobra sua liberdade quando os sentidos se entorpecem. Ele se aproveita, para se emancipar, de todos os momentos de repouso que o corpo lhe concede. Desde que haja debilidade das forças vitais, o Espírito se desprende, e quanto mais fraco estiver o corpo, mais livre ele estará.
☼ É assim que a sonolência, ou um simples entorpecimento dos sentidos, apresenta muitas vezes as mesmas imagens do sono.
Parece-nos ouvir, algumas vezes em nós, palavras pronunciadas distintamente e que não têm nenhuma relação com o que nos preocupa; de onde vem isso?
– Sim, pode acontecer até mesmo ouvirdes frases inteiras, principalmente quando os sentidos começam a se entorpecer. É algumas vezes um eco fraco de um Espírito que deseja se comunicar.
Muitas vezes, num estado que ainda não é a sonolência, quando temos os olhos fechados, vemos imagens distintas, figuras das quais observamos os mais minuciosos detalhes; é um efeito de visão ou de imaginação?
– O corpo, estando entorpecido, faz com que o Espírito procure libertar-se de suas amarras. Ele se transporta e vê. Se o sono fosse completo, seria um sonho.
Têm-se, algumas vezes durante o sono ou a sonolência, idéias que parecem ser muito boas e, apesar dos esforços para se lembrar delas, apagam-se da memória: de onde vêm essas idéias?
– São o resultado da liberdade do Espírito que se emancipa e desfruta de maneira completa de todas as suas faculdades durante esse momento. São freqüentemente também conselhos que outros Espíritos dão.
Para que servem essas idéias e conselhos, já que se perdem na lembrança e não se podem aproveitar?
– Essas idéias pertencem, algumas vezes, mais ao mundo dos Espíritos do que ao corporal; mas, com mais freqüência, se o corpo esquece, o Espírito lembra, e a idéia revive na ocasião oportuna como uma inspiração de momento.
O Espírito encarnado, nos momentos em que está desligado da matéria e age como Espírito, sabe a época de sua morte?
– Muitas vezes a pressente; pode, também, ter uma consciência muito clara dela. É o que, acordado, lhe dá a intuição disso. Eis por que certas pessoas, algumas vezes, prevêem sua morte com grande exatidão.
A atividade do Espírito durante o repouso ou o sono do corpo pode fazer com que o corpo sinta cansaço?
– Sim, pode. O Espírito está preso ao corpo, assim como um balão cativo a um poste. Da mesma forma que as agitações do balão abalam o poste, a atividade do Espírito reage sobre o corpo e pode fazer com que se sinta cansado.
Como a alma pode libertar-se do corpo durante o sono, teremos então uma dupla existência simultânea: a do corpo, que nos dá a vida de relação exterior, e a da alma, que nos dá a vida de relação oculta; isso é exato?
– No estado de liberdade, a vida do corpo cede lugar à vida da alma. Porém, não são, propriamente falando, duas existências; são, antes, duas fases da mesma existência, uma vez que o homem não vive duplamente.
Duas pessoas que se conhecem podem se visitar durante o sono?
– Sim, e muitas outras que acreditam não se conhecerem também se reúnem e conversam. Podeis ter, sem dúvida, amigos num outro país. O fato de ir se encontrar, durante o sono, com amigos, parentes, conhecidos, pessoas que podem ser úteis, é tão freqüente que o fazeis todas as noites.
Qual a utilidade dessas visitas noturnas, uma vez que não fica lembrança de nada?
– É muito comum disso ficar uma intuição, ao despertar, e é freqüentemente a origem de certas idéias que surgem espontaneamente, sem explicação clara. São exatamente as adquiridas nessas conversas.
O homem pode provocar essas visitas espirituais por sua vontade? Pode, por exemplo, dizer ao dormir: esta noite quero me encontrar em Espírito com tal pessoa, falar com ela e dizer-lhe alguma coisa?
– Eis o que se passa: o homem dorme, o Espírito se liberta e o que o homem tinha programado o Espírito está bem longe de seguir, porque os desejos e vontades do homem nem sempre são as mesmas do Espírito, quando desligado da matéria. Isso acontece com os homens espiritualmente bastante elevados. Há os que passam de outra forma essa sua existência espiritual: entregam-se às suas paixões ou permanecem na inatividade. Pode acontecer que, considerando a razão da visita, o Espírito vá mesmo visitar as pessoas que deseja; mas a simples vontade do homem, acordado, não é razão para que o faça.
Um certo número de Espíritos encarnados podem se reunir e formar assembléias?
– Sem dúvida nenhuma. Os laços de amizade, antigos ou novos, fazem com que se reúnam freqüentemente diversos Espíritos, felizes de estarem juntos.
Pela palavra antigo é preciso entender os laços de amizade feitos em existências anteriores. Trazemos, ao despertar, uma intuição das idéias que adquirimos nessas conversas ocultas, mas ignoramos a sua fonte.
Uma pessoa que acreditasse ter um de seus amigos mortos, embora estivesse vivo, poderia se encontrar com ele em Espírito e saber que está vivo? Ela poderia, nesse caso, ter uma intuição disso ao despertar?
– Como Espírito, pode certamente vê-lo e saber de sua situação. Se não lhe foi imposto como uma prova acreditar na morte de seu amigo, terá um pressentimento de sua existência, como poderá ter de sua morte.
Por que a mesma idéia, a de uma descoberta, por exemplo, pode surgir em diversos lugares ao mesmo tempo?
– Já dissemos que durante o sono os Espíritos se comunicam entre si. Pois bem, quando o corpo desperta, o Espírito se recorda do que aprendeu e o homem acredita ser o autor da invenção. Assim, muitos podem descobrir a mesma coisa ao mesmo tempo. Quando dizeis: uma idéia está no ar, usais de uma figura de linguagem mais justa do que acreditais; cada um, sem saber, contribui para propagá-la.
Nosso próprio Espírito revela, assim, muitas vezes a outros Espíritos e sem nosso conhecimento o que se faz objeto de nossas preocupações quando acordados.
Os Espíritos podem se comunicar se o corpo está completamente acordado?
– O Espírito não está fechado no corpo como numa caixa; irradia por todos os lados. Eis por que pode se comunicar com outros Espíritos, até mesmo acordados, embora o faça mais dificilmente.
Por que duas pessoas perfeitamente acordadas têm muitas vezes, instantaneamente, a mesma idéia?
– São dois Espíritos simpáticos que se comunicam e vêem reciprocamente seus respectivos pensamentos, até mesmo quando o corpo não dorme.
Existe, entre os Espíritos que se encontram, uma comunicação de pensamentos que faz com que duas pessoas se vejam e se compreendam, sem ter necessidade dos sinais exteriores da linguagem. Pode-se dizer que falam a linguagem dos Espíritos.
Os letárgicos e os catalépticos vêem e ouvem geralmente o que se passa ao redor deles, mas não podem se manifestar; é pelos olhos e ouvidos do corpo que vêem e ouvem?
– Não. É pelo Espírito; o Espírito tem conhecimento dos fatos, mas não pode se comunicar.
Por que não pode se comunicar?
– O estado do corpo se opõe a isso; esse estado peculiar dos órgãos vos dá a prova de que existe no homem outra coisa além do corpo, uma vez que o corpo não funciona mais, mas o Espírito ainda age.
Na letargia, o Espírito pode se separar inteiramente do corpo, de maneira a dar-lhe todas as aparências da morte e voltar em seguida?
– Na letargia, o corpo não está morto, uma vez que há funções vitais que permanecem. A vitalidade se encontra em estado latente, como na crisálida, mas não está aniquilada.
Portanto, o Espírito está unido ao corpo enquanto este vive. Mas quando os laços são rompidos pela morte real há a desagregação dos órgãos, a separação é completa e o Espírito não retorna mais. Quando um homem aparentemente morto retorna à vida, é que o processo da morte não estava consumado.
Pode-se, por meio de cuidados dados a tempo, reatar os laços prestes a se romper e tornar à vida um ser que, por falta de socorro, estaria definitivamente morto?
– Sim, sem dúvida, e tendes a prova disso todos os dias. O magnetismo é freqüentemente, nesse caso, um poderoso meio, porque restitui ao corpo o fluido vital que lhe falta e que era insuficiente para manter o funcionamento dos órgãos.
A letargia e a catalepsia têm o mesmo princípio, que é a perda momentânea da sensibilidade e do movimento por uma causa fisiológica. Diferem em que, na letargia, a suspensão das forças vitais é geral e dá ao corpo todas as aparências da morte. Na catalepsia, é localizada e pode afetar uma parte mais ou menos extensa do corpo, de maneira a deixar a inteligência livre para se manifestar, o que não permite confundi-la com a morte. A letargia é sempre natural; a catalepsia é algumas vezes espontânea, mas pode ser provocada ou desfeita artificialmente pela ação magnética.
O sonambulismo natural tem relação com os sonhos? Como se pode explicá-lo?
– É uma situação de independência do Espírito mais completa do que no sonho, porque então suas faculdades abrangem maior amplidão e passa a ter percepções que não tem no sonho, que é um estado de sonambulismo imperfeito. No sonambulismo, o Espírito atinge a plena posse de si, é inteiramente ele mesmo; os órgãos materiais, estando de alguma forma em catalepsia, não recebem mais as impressões exteriores. Esse estado se manifesta principalmente durante o sono. É o momento em que o Espírito pode deixar provisoriamente o corpo, estando este entregue ao indispensável repouso da matéria. Quando os fatos do sonambulismo se produzem, é que o Espírito, preocupado com uma coisa ou outra, se entrega a uma ação qualquer que necessita da utilização de seu corpo, do qual se serve, então, de uma maneira semelhante ao que se faz com uma mesa ou com qualquer outro material no fenômeno das manifestações físicas, ou até mesmo de vossa mão, no caso das comunicações escritas. Nos sonhos de que se tem consciência, os órgãos, incluindo o da memória, começam a despertar e recebem imperfeitamente as impressões produzidas pelos objetos ou as causas exteriores e as comunicam ao Espírito, que, em repouso, não se apercebe a não ser de sensações confusas e freqüentemente sem nexo e sem nenhuma razão de ser aparente, misturadas que estão com vagas lembranças, seja desta ou de existências anteriores. Fica então fácil compreender por que os sonâmbulos, enquanto no estado sonambúlico, não têm nenhuma lembrança do que ocorreu, e por que os sonhos, dos quais se conserva a memória, não têm muitas vezes o menor sentido. Digo muitas vezes porque pode acontecer que sejam a conseqüência de uma lembrança precisa de acontecimentos de uma vida anterior e, algumas vezes, até mesmo uma espécie de intuição do futuro.
O sonambulismo chamado magnético tem relação com o sonambulismo natural?
– É a mesma coisa; a diferença é que ele é provocado.
Qual é a natureza do agente chamado fluido magnético?
– Fluido vital, eletricidade animalizada, que são modificações do fluido universal.
Qual é a causa da clarividência sonambúlica?
– Já dissemos: é a alma que vê.
Como o sonâmbulo pode ver através de corpos opacos?
– Não há corpos opacos a não ser para vossos órgãos grosseiros; já dissemos que, para o Espírito, a matéria não é obstáculo, uma vez que a atravessa livremente. Freqüentemente, o sonâmbulo diz que vê pela fronte, pelo joelho, etc., porque vós, inteiramente presos à matéria, não compreendeis que se possa ver sem o auxílio dos órgãos da visão. Ele mesmo, pelo desejo que tendes, acredita ter necessidade desses órgãos, mas se o deixásseis livre compreenderia que vê por todas as partes de seu corpo ou, melhor dizendo, vê de fora de seu corpo.
Uma vez que a clarividência do sonâmbulo é de sua alma ou seu Espírito, por que não vê tudo e por que se engana freqüentemente?
– Inicialmente, não é dado aos Espíritos imperfeitos tudo ver e conhecer; sabeis que eles ainda participam de vossos erros e preconceitos. Além disso, quando estão ligados à matéria, não usufruem de todos os dons ou faculdades do Espírito. Deus deu ao homem a faculdade do sonambulismo com um objetivo útil e sério e não para o que não deve saber; eis por que os sonâmbulos não podem dizer tudo.
Qual a origem das idéias inatas do sonâmbulo e como ele pode falar com exatidão de coisas que ignora quando acordado, que estão acima até mesmo de sua capacidade intelectual?
– Acontece que o sonâmbulo possui mais conhecimentos do que supondes e apenas se acham adormecidos, porque seu corpo é um entrave para que possa se lembrar das coisas.
Mas, afinal, o que é ele? Como nós, é um Espírito encarnado na matéria para cumprir sua missão e o estado em que entra o desperta dessa letargia. Nós vos dissemos, repetidamente, que vivemos muitas vezes; é essa mudança que faz o sonâmbulo e qualquer outro Espírito perder materialmente o que pôde aprender em uma existência anterior. Ao entrar no estado que chamais de transe, ele se recorda, mas nem sempre de uma maneira completa; sabe, mas não poderia dizer de onde lhe vem o que sabe nem como possui esses conhecimentos. Passado o transe, toda lembrança se apaga e ele volta à obscuridade.
A experiência mostra que os sonâmbulos também recebem comunicações de outros Espíritos que lhes transmitem o que devem dizer e suprem sua insuficiência. Isso se vê especialmente nas prescrições médicas: o Espírito do sonâmbulo vê o mal, um outro lhe indica o remédio. Essa dupla ação é algumas vezes evidente e se revela, de forma clara, por essas expressões bastante freqüentes: dizem-me para dizer, proíbem-me de dizer tal coisa. Nesse último caso, há sempre perigo em insistir para obter uma revelação recusada, visto que então são apanhados por Espíritos levianos que falam de tudo sem escrúpulo e sem se preocuparem com a verdade.
Como explicar a visão à distância em alguns sonâmbulos?
– A alma não se transporta durante o sono? O mesmo acontece no sonambulismo.
O desenvolvimento maior ou menor da clarividência sonambúlica prende-se à organização física ou à natureza do Espírito encarnado?
– A ambas. Existem disposições físicas que permitem ao Espírito se desprender mais ou menos da matéria.
As faculdades, os dons dos quais desfruta o sonâmbulo, são as mesmas que o Espírito tem após a morte?
– Até certo ponto, porque é preciso levar em conta a influência da matéria à qual ainda está ligado.
O sonâmbulo pode ver os outros Espíritos?
– A maioria os vê muito bem, isso depende do grau e da natureza de sua lucidez, mas algumas vezes não se dá conta disso de início e os toma por seres corpóreos. Isso acontece principalmente com aqueles que não possuem nenhum conhecimento do Espiritismo. Ainda não compreendem a essência dos Espíritos. Isso os espanta e eis por que acreditam estar vendo pessoas vivas.
O mesmo efeito se produz no momento da morte naqueles que acreditam ainda estarem vivos. Nada a seu redor parece mudado, os Espíritos lhe parecem ter corpo semelhante ao nosso e tomam a aparência do próprio corpo como um corpo real.
O sonâmbulo que vê à distância vê do ponto em que está seu corpo ou daquele em que está sua alma?
– Por que perguntais, uma vez que sabeis que é a alma que vê e não o corpo?
Uma vez que é a alma que se transporta, como pode o sonâmbulo experimentar em seu corpo as sensações de calor e frio do lugar onde se encontra sua alma, e que está, muitas vezes, bem longe de seu corpo?
– A alma não deixou inteiramente o corpo; está sempre ligada a ele por um laço que é o condutor das sensações. Quando duas pessoas se correspondem de uma cidade a outra por meio da eletricidade6, é a eletricidade o laço entre seus pensamentos. Por esse laço se comunicam como se estivessem ao lado uma da outra.
O uso que um sonâmbulo faz de sua faculdade influi sobre o estado de seu Espírito após sua morte?
– Muito, como o bom ou o mau uso de todas as faculdades que Deus deu ao homem.
Que diferença existe entre o êxtase e o sonambulismo?
– O êxtase é um sonambulismo mais depurado; a alma do extático é ainda mais independente.
O Espírito do extático penetra realmente nos mundos superiores?
– Sim, ele os vê e compreende a felicidade daqueles que os habitam. Deseja, por isso, lá permanecer. Mas existem mundos inacessíveis aos Espíritos que não são suficientemente depurados.
Quando o extático exprime o desejo de deixar a Terra, fala sinceramente e não sente atuar nele o instinto de conservação?
– Isso depende do grau de pureza do Espírito; se vê sua posição futura melhor do que sua vida presente, faz esforços para romper os laços que o prendem à Terra.
Se o extático ficasse abandonado a si mesmo, sua alma poderia definitivamente deixar seu corpo?
– Sim, poderia morrer. Por isso é preciso fazê-lo voltar apelando para tudo o que pode prendê-lo à vida na Terra e, principalmente, fazendo-o compreender que, se romper a cadeia que o retém aqui, será a maneira certa de não permanecer onde ele vê que seria feliz.
Existem coisas que o extático pretende ver e que são evidentemente fruto de uma imaginação impressionada pelas crenças e preconceitos terrenos. Tudo o que vê não é, então, real?
– O que vê é real para ele, mas como seu Espírito está sempre sob a influência das idéias terrenas pode vê-lo à sua maneira ou, melhor dizendo, pode se exprimir numa linguagem apropriada a seus preconceitos ou às idéias em que foi educado, ou aos vossos, a fim de melhor se fazer compreender. É, principalmente, nesse sentido que ele pode errar.
Que grau de confiança se pode depositar nas revelações dos extáticos?
– O extático pode, muito freqüentemente, se enganar, principalmente quando pretende penetrar naquilo que deve permanecer em mistério para o homem, porque então revelará suas próprias idéias ou se tornará joguete de Espíritos enganadores que se aproveitam de seu entusiasmo para fasciná-lo.
Que conseqüências se pode tirar dos fenômenos do sonambulismo e do êxtase? Não seriam uma espécie de iniciação à vida futura?
– É, verdadeiramente, a vida passada e a vida futura que o homem entrevê. Se estudar esses fenômenos, aí encontrará a solução de mais de um mistério que sua razão procura inutilmente penetrar.
Os fenômenos do sonambulismo e do êxtase poderiam se conciliar com o materialismo?
– Aquele que os estuda de boa-fé, sem prevenções, não pode ser nem materialista nem ateu.
O fenômeno conhecido como dupla vista ou segunda vista tem relação com o sonho e o sonambulismo?
– Tudo isso é a mesma coisa. O que chamais de dupla vista é ainda o Espírito que está mais livre, embora o corpo não esteja adormecido. A dupla vista é a vista da alma.
A dupla vista é permanente?
– A faculdade, sim; o exercício, não. Nos mundos menos materiais, os Espíritos se desprendem mais facilmente e se comunicam apenas por meio do pensamento, sem excluir, entretanto, a linguagem articulada. A dupla vista é também, para a maioria dos que lá habitam, uma faculdade permanente. Seu estado normal pode ser comparado ao dos vossos sonâmbulos lúcidos e é também por essa razão que eles se manifestam mais facilmente do que aqueles que estão encarnados nos corpos mais grosseiros.
A dupla vista se desenvolve espontaneamente ou pela vontade de quem a possui?
– Mais freqüentemente é espontânea, mas muitas vezes a vontade aí exerce um grande papel. Assim, por exemplo, em certas pessoas que se chamam adivinhos, algumas das quais têm essa faculdade, vereis que é exercitando a vontade que chegam a ter dupla vista, o que chamais de visão ou visões.
Há a possibilidade de se desenvolver a dupla vista pelo exercício?
– Sim, o trabalho sempre traz o progresso e faz desaparecer o véu que cobre as coisas.
Essa faculdade tem alguma ligação com a organização física?
– Certamente, o organismo desempenha aí um papel; existem, porém, organismos que lhe são refratários.
Por que a dupla vista parece ser hereditária em certas famílias?
– Semelhança dos organismos que se transmite como as outras qualidades físicas. Além disso, a faculdade se desenvolve por uma espécie de educação que também se transmite de um para outro.
É certo que algumas circunstâncias provocam o desenvolvimento da dupla vista?
– Sim. A doença, a expectativa de um perigo, uma grande comoção podem desenvolvê-la. O corpo está algumas vezes num estado incomum, especial, que permite ao Espírito ver o que não podeis ver com os olhos do corpo.
Em tempos de crise e de calamidades, as grandes emoções, todas as causas que superexcitam o moral7 provocam, algumas vezes, o desenvolvimento da dupla vista. Parece que a Providência, em presença do perigo, nos dá o meio de afastá-lo. Todas as seitas e facções políticas perseguidas nos oferecem numerosos exemplos disso.
As pessoas dotadas da dupla vista têm sempre consciência disso?
– Nem sempre. Para elas é uma coisa totalmente natural, e muitos acreditam que, se todas as pessoas observassem o que se passa consigo mesmas, deveriam ser como eles.
Poderíamos atribuir a uma espécie de dupla vista a perspicácia de certas pessoas que, sem nada terem de extraordinário, julgam as coisas com mais precisão do que as outras?
– É sempre a alma que irradia mais livremente e julga melhor que sob o véu da matéria.
Essa faculdade pode, em certos casos, dar a previsão das coisas?
– Sim, e também os pressentimentos, porque existem vários graus nessa faculdade, e a mesma pessoa pode ter todos os graus ou apenas alguns.
Os fenômenos do sonambulismo natural se produzem espontaneamente e são independentes de toda causa exterior conhecida. Contudo, o organismo físico de algumas pessoas pode ser especialmente dotado para isso e os fenômenos podem, então, ser provocados artificialmente, por um magnetizador.
O estado designado sob o nome de sonambulismo magnético só difere do sonambulismo natural porque é provocado, enquanto o outro é espontâneo.
O sonambulismo natural é um fato notório que ninguém mais põe em dúvida, apesar do aspecto maravilhoso dos seus fenômenos. O que tem, então, de mais extraordinário ou de mais irracional o sonambulismo magnético? Apenas por ser produzido artificialmente, como tantas outras coisas? Os charlatães, dizem, o têm explorado. Eis uma razão a mais para não o deixar nas mãos deles. Quando a ciência o tomar para si, admitindo-o, o charlatanismo terá bem menos crédito sobre as massas. Contudo, enquanto isso não acontece, o sonambulismo natural ou artificial é um fato, e como contra fatos não há argumentos, se propaga, apesar da má vontade de alguns, e isso até mesmo na ciência, onde penetra por uma infinidade de pequenas portas em vez de ser aceito pela porta da frente. Quando estiver plenamente firmado lá, será preciso conceder-lhe direito de cidadania.
Para o Espiritismo, o sonambulismo é mais que um fenômeno fisiológico, é uma luz lançada sobre a psicologia; é aí que se pode estudar a alma, porque ela se mostra descoberta. Ora, um dos fenômenos pelos quais a alma ou Espírito se caracteriza é a clarividência, independentemente dos órgãos ordinários da vista. Os que contestam esse fato se apóiam no argumento de que o sonâmbulo nem sempre vê como se vê pelos olhos e nem sempre vê conforme a vontade do experimentador. É natural. E devemos nos surpreender que, sendo os meios diferentes, os efeitos não sejam os mesmos? É racional querer efeitos idênticos quando o instrumento não existe mais? A alma tem suas propriedades assim como o olho tem as suas; é preciso julgá-las em si mesmas e não por comparação.
A causa da clarividência tanto no sonambulismo magnético quanto no natural é a mesma: é um atributo da alma, uma faculdade inerente a todas as partes do ser incorpóreo que está em nós e cujos limites são os mesmos da própria alma. O sonâmbulo vê todos os lugares aonde sua alma possa se transportar, seja qual fora distância.
Na visão à distância, o sonâmbulo não vê as coisas do lugar em que está seu corpo e sim como por um efeito telescópico. Ele as vê presentes e como se estivesse no lugar onde elas existem, visto que sua alma lá está em realidade. É por isso que seu corpo fica como se estivesse aniquilado e parece privado de sensações até o momento em que a alma vem retomá-lo.
Essa separação parcial da alma e do corpo é um estado anormal que pode ter uma duração mais ou menos longa, mas não indefinida; é a causa do cansaço que o corpo sente após um certo tempo, principalmente quando a alma se entrega a um trabalho ativo.
O órgão da visão na alma ou Espírito não é circunscrito e não tem um lugar determinado, como no corpo físico, o que explica por que os sonâmbulos não podem lhe assinalar um órgão especial. Eles vêem porque vêem, sem saber como ou por que, pois para eles, como Espíritos, a vista não tem sede própria. Ao se reportarem ao seu corpo, essa sede lhes parece estar nos centros onde a atividade vital é maior, principalmente no cérebro, na região epigástrica, ou no órgão que, para eles, é o ponto de ligação mais intenso entre o Espírito e o corpo.
O poder da lucidez sonambúlica não é ilimitado. O Espírito, mesmo completamente liberto do corpo, está limitado em suas faculdades e conhecimentos de acordo com o grau de perfeição que atingiu, e mais ainda por estar ligado à matéria da qual sofre influência. Por causa disso é que a clarividência sonambúlica não é comum, nem infalível. Muito menos se pode contar com sua infalibilidade quanto mais se desviado objetivo proposto pela natureza e quanto mais se faz dela objeto de curiosidade e experimentação.
No estado de desprendimento em que se encontra, o Espírito do sonâmbulo entra em comunicação mais fácil com outros Espíritos encarnados ou não encarnados; essa comunicação se estabelece pelo contato dos fluidos que compõem os perispíritos e servem de transmissão para o pensamento, como o fio na eletricidade.
O sonâmbulo não tem, portanto, necessidade de que o pensamento seja articulado pela fala: ele o sente e adivinha, é o que o torna extremamente impressionável às influências da atmosfera moral em que está. É também por isso que uma assistência numerosa de espectadores, e principalmente de curiosos mal-intencionados, prejudica o desenvolvimento dessas faculdades, que se recolhem, por assim dizer, em si mesmas, e não se desdobram com toda a liberdade como numa reunião íntima e num meio simpático. A presença de pessoas mal-intencionadas ou antipáticas produz sobre o sonâmbulo o efeito do contato da mão sobre a planta sensitiva.
O sonâmbulo vê às vezes seu próprio Espírito e seu próprio corpo; são, por assim dizer, dois seres que lhe representam a dupla existência, espiritual e corporal, e entretanto se confundem pelos laços que os unem. Nem sempre o sonâmbulo se dá conta dessa situação e essa dualidade faz com que muitas vezes fale de si como se falasse de outra pessoa; é que, às vezes, é o ser corporal que fala ao espiritual e, outras, é o ser espiritual que fala ao corporal.
O Espírito adquire um acréscimo de conhecimento e experiência a cada uma de suas existências corporais. Ele os esquece em parte, durante sua encarnação numa matéria muito grosseira, mas sempre se lembra disso como Espírito.
É por isso que certos sonâmbulos revelam conhecimentos além da instrução que possuem e até mesmo superiores às suas aparentes capacidades intelectuais. A inferioridade intelectual e científica do sonâmbulo quando acordado não interfere, portanto, em nada nos conhecimentos que pode revelar. De acordo com as circunstâncias e o objetivo a que se proponha, pode tirá-las de sua própria experiência, na clarividência das coisas presentes ou do conselho que recebe de outros Espíritos, ou ainda do seu próprio Espírito, que, podendo ser mais ou menos avançado, pode então dizer coisas mais ou menos certas.
Pelos fenômenos do sonambulismo, tanto o natural quanto o magnético, a Providência nos dá a prova irrecusável da existência e independência da alma e nos faz assistir ao espetáculo sublime da liberdade que ela tem; assim, nos abre o livro de nossa destinação. Quando o sonâmbulo descreve o que se passa à distância, é evidente que ele vê, mas não pelos olhos do corpo; vê a si mesmo e sente-se transportado para lá; há, portanto, naquele lugar algo dele, e esse algo, não sendo seu corpo, só pode ser sua alma ou Espírito.
Enquanto o homem se perde nas sutilezas de uma metafísica abstrata e incompreensível para pesquisar as causas de nossa existência moral, Deus coloca diariamente ao alcance de nossos olhos e nossas mãos os meios mais simples e evidentes para o estudo da psicologia experimental.
O êxtase é o estado em que a independência da alma e do corpo se manifesta de maneira mais sensível e torna-se de certo modo palpável.
No sonho e no sonambulismo, a alma percorre os mundos terrestres. No êxtase, penetra num mundo desconhecido, dos Espíritos etéreos, com os quais entra em comunicação, sem, entretanto, ultrapassar certos limites que não teria como transpor sem romper totalmente os laços que a ligam ao corpo. Sente-se num estado resplandecente completamente novo que a circunda, harmonias desconhecidas na Terra a arrebatam, um bem-estar indefinível a envolve. A alma desfruta por antecipação da beatitude celeste e pode-se dizer que põe um pé sobre o limiar da eternidade.
No estado de êxtase o aniquilamento do corpo é quase completo; tem apenas, por assim dizer, a vida orgânica e sente que a alma está a ele ligado apenas por um fio que um pequeno esforço extra faria romper para sempre.
Nesse estado, todos os pensamentos terrestres desaparecem para dar lugar ao sentimento puro, que é a própria essência de nosso ser imaterial. Inteiramente envolto nessa contemplação sublime, o extático encara a vida apenas como uma paragem momentânea.
Para ele tanto o bem quanto o mal, as alegrias grosseiras e misérias aqui da Terra são apenas incidentes fúteis de uma viagem cujo término que avista o deixa feliz.
Os extáticos são como os sonâmbulos: sua lucidez pode ser mais ou menos perfeita e seu próprio Espírito, conforme for mais ou menos elevado, estará também igualmente apto a conhecer e compreender as coisas. Há neles, algumas vezes, mais exaltação do que verdadeira lucidez ou, melhor dizendo, sua exaltação prejudica sua lucidez. É por isso que suas revelações são freqüentemente uma mistura de verdades e erros, de coisas sublimes e absurdas ou até mesmo ridículas. Os Espíritos inferiores se aproveitam, freqüentemente, dessa exaltação, que é sempre uma causa de fraqueza quando não se sabe reprimi-la, para dominar o extático, e se fazem passar aos seus olhos com aparências que o prendem às idéias e preconceitos que têm quando acordado. Isso representa uma dificuldade e um perigo, mas nem todos são assim; cabe a nós julgar friamente e pesar suas revelações na balança da razão.
A emancipação da alma se manifesta às vezes no estado de vigília e produz o fenômeno conhecido como dupla vista ou segunda vista, que dá àqueles que dela são dotados a faculdade de ver, ouvir e sentir além dos limites de nossos sentidos. Eles percebem coisas distantes em todas as partes onde a alma estenda sua ação; eles as vêem, por assim dizer, pela visão ordinária e por uma espécie de miragem.
No momento em que se produz o fenômeno da dupla vista, o estado físico do indivíduo é sensivelmente modificado; o olhar tem algo de vago: olha sem ver; a fisionomia toda reflete um ar de exaltação. Constata-se que os órgãos da vista ficam alheios ao processo porque a visão persiste, apesar dos olhos fechados.
Essa faculdade parece, para aqueles que dela desfrutam, tão natural como a de ver; é para eles uma propriedade normal do seu ser e não lhes parece excepcional. O esquecimento se segue em geral a essa lucidez passageira da qual a lembrança, cada vez mais vaga, acaba por desaparecer como a de um sonho.
O poder da dupla vista varia desde a sensação confusa até a percepção clara e nítida das coisas presentes ou ausentes. No estado rudimentar, dá a certas pessoas o tato, a perspicácia, uma espécie de certeza em seus atos que se pode chamar de precisão do golpe de vista moral.
Um pouco mais desenvolvida, desperta os pressentimentos; ainda mais desenvolvida, mostra os acontecimentos ocorridos ou em via de ocorrer.
O sonambulismo natural ou artificial, o êxtase e a dupla vista são apenas variedades ou modificações de uma mesma causa. Esses fenômenos, assim como os sonhos, estão na lei da natureza; eis por que existiram desde todos os tempos. A história nos mostra que foram conhecidos e até mesmo explorados desde a mais alta Antigüidade e neles está a explicação de diversos fatos que os preconceitos fizeram considerar sobrenaturais.
ALLAN KARDEC
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